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Gabriel Cabral e Bárbara Ferreira

OS ESTUDOS DO SR PÊLOS #2


Olá, jovem! Estou de volta aqui da minha estante para mais um caso das minhas paixões clickeiras. Depois da viagem que foi o Hannes Wallrafen, hoje pisamos um pouco mais no mundo real - mas não se enganem achando que falaremos de meros registros do factual, pois estamos entrando em algo muito mais profundo. Fui me recuperando das alucinações pós-Hannes com a primazia do trabalho documental de Susan Meiselas. É ela a musa do clickinho de hoje.

 

Foto: Harvey Wang

SUSAN MEISELAS

NORTE AMERICANA (1948 - Presente)

"Nós levamos fotos embora e não trazemos elas de volta, [...] Isso se tornou uma busca central para mim – relincando, revisitando, a repatriação do trabalho: isso se tronou uma espécie de motivação do meu pensar."

A nossa história já vem de muito tempo e como Susan coleciona uma extensa produção ao redor do mundo, aparece em quase todas as minhas “bíblias” de fotografia. Dentre os inúmeros livros sagrados em minha estante, sempre me deparava com alguma imagem dela. Sabe, há algum tempo descobri uma nova filosofia, e sigo fielmente a Igreja do Clickinho. Mas te conto mais sobre isso uma outra hora. Susan estava sempre ali, mas tudo mudou quando um dia encontrei algo muito singular. A imagem que vi me impactou imediatamente e foi com o trabalho Pandora’s Box, que me encantei por essa mulher. Sabe aquele momento em que você abre um livro, vê uma imagem que te cativa, e corre para o nosso querido Google? Então, foi assim que esse romance começou. Logo de cara, fica óbvio que ela dedicou toda a sua carreira a revelar histórias, sempre com um olhar sensível e cheia de empatia com seus personagens. Cheguei ao seu site e você acredita que lá ela acumula 25 ensaios, ou melhor dizendo, socos no estômago. A mulher já fez fotos no mundo todo e não para. Esse número me impressionou ainda mais quando percebi a qualidade e profundidade com que a americana desenvolve suas narrativas. Desse universo louco de Pandora, fui vendo outras temáticas muito presentes, como as condições das mulheres e os direitos humanos de uma maneira geral.

http://www.susanmeiselas.com/stories/human-rights/missing-women-of-juarez-1998/

Fui ficando cada vez mais admirado ao perceber a diversidade do trabalho dessa musa. Eles vão desde documentações em sua cidade natal - como a cobertura e o desdobramento do atentado de 11 de Setembro - até lugares mais distantes, como os conflitos na América Latina. E o mais legal de tudo isso é que ela sempre retorna a essas comunidades. No Curdistão, por exemplo, entre idas e vindas, ela fez um trabalho que durou quase 30 anos. Acho que aprendi com ela o significado da palavra imersão.

"11 de Setembro"

Olha, essa minha fase de estudar Susan foi bem intensa e pensativa. Ficava horas parado na estante e, por pouco, não virei uma estátua. Algo que me fez refletir muito foi uma fala dela, que diz não estar em uma missão quando vai a campo, mas que ao contrário, está ali para fazer uma descoberta. Fiquei imaginando o que se passaria na cabeça dela e acho que as perguntas eram: O que está acontecendo? O que é possível ver e conceber pela fotografia nesse lugar? Como mostrar isso ao mundo? Sou um grande curioso e isso me fascinou. Acho que a fotografia funciona para ela como ferramenta em uma busca pelo que nem sempre se conhece ou compreende. Nunca são temáticas incomuns, mas suas escolhas também não são óbvias. Fico achando que ela está sempre procurando se envolver com as pessoas, lugares e situações com as quais se sente movida a vivenciar.

"Caixa de Pandora"

Como ela ia aos lugares, voltava e se dedicava por um longo período de tempo na maioria de seus trabalhos, decidi que faria o mesmo. Foram horas e dias de Google. Revisitei o trabalho dela, assim como ela faz com seus objetos de pesquisa. Percebi que quando ela retorna a esses lugares, tenta reconhecer as suas mudanças e de sua população, mas sempre olhando para as suas próprias metamorfoses e os desdobramentos de tudo isso ao longo do tempo. Essas camadas de sua obra compõem um mosaico antropológico, já que ela não só faz fotografia, mas pensa e questiona o seu papel social, explorando os contextos das histórias que fotografa, e a fotografia em seu contexto histórico. Jovem, olha essa mulher… Além de uma quase petrificação, em alguns momentos comecei também a questionar os meus próprios cliques, a superficialidade das coisas e a minha própria relação com os humanos e felinos que me cercam. Susan é sempre inspiração para o um retiro da Igreja do Clickinho, afinal, ela muda sua vida.

"Reenquadrando a História - Nicarágua"

Superficialidade? Com ela não há espaço para isso. Trata-se de uma vontade de conhecer seus personagens pelas suas complexidades e intimidades. E isso era o que eu começava a buscar enquanto lia e pesquisava sobre Susan. Essa fotografia aguda feita por ela é atingida não só pelo tempo alongado dedicado a cada projeto, mas também em sua busca por compreender as diferentes faces de cada um deles.

"Carnival Stripers"

Você deve estar se perguntando por que eu babo ovo dessas pessoas, mas eu juro, é sincero, e aqui só passam os tops. A mulher é uma desbravadora de lugares, contadora de histórias e além disso, é mestra em educação visual pela Universidade de Harvard. Olha ela, né! Acho que tudo isso reflete em seu olhar, que se mantém cuidadoso sobre a figura humana, mas consegue aplicar uma linguagem fotográfica específica de acordo com as demandas de cada trabalho. Deve ser por isso, que suas abordagens, técnicas e estéticas tendem a variar, atendendo as necessidades narrativas de cada história. Alguns exemplo simbólicos que vejo disso, é que ela transita desde o PB que mistura Papais Noeis em meio a uma multidão ou o realce a luxúria com um colorido potente em Pandora’s Box, até a energia que impõe a sua fotografia quando aborda conflitos, ou o olhar mais contemplativo em situações do cotidiano juvenil em Prince Street Girls.

"Carnival Stripers"

Pessoalmente, o que considero mais notável e transparente em sua fotografia é a proximidade que Susan mantém com seus fotografados. A mulher que entra nas casas das pessoas, e que continua voltando após décadas, constrói relações muito estreitas com aqueles que não só passa a conhecer pela fotografia mas a conviver. Eu fiquei aqui, durante essa catarse que foi Susan, pensando nessa característica dela. No trabalho Porches a fotógrafa mandava os retratos em forma de cartões postais para as pessoas fotografadas. Ela também deu aulas para as crianças locais, que fotografaram a cidade e fizeram uma exposição. Com isso, ela ofereceu à comunidade a possibilidade de se enxergar a partir da fotografia, dando uma espécie de contrapartida.

"Reenquadrando a História - Nicarágua"

Não estou conseguindo me recuperar da porrada que é toda a obra de Susan, mas a coisa não para. Durante suas viagens ao Curdistão ela explicita ainda mais essa sua busca por trocas. Fiquei chocado quando descobri que esse trabalho reúne um acervo de mais de 100 anos de fotografias. É uma curadoria que reúne imagens feitas por ela, fotografias vernaculares e de diversas fontes ocidentais - o que é um imenso orgulho a esse povo que têm sua identidade tão pouco reconhecida pelo resto do mundo.

Susan continua mantendo seu olhar cuidadoso sob questões humanitárias, como a crise dos refugiados pelo mundo. Ela acaba de lançar o livro A Room Of Their Own ou "Um Quardo Delas Mesmas", em tração livre, sobre mulheres refugiadas no Black Country, região da Inglaterra com altos índices de violência e pobreza. Nessa sua constante busca por ecoar as vozes em situações de fragilidade, ela estendeu seu trabalho criando projetos de curadoria em que amplia os canais para fotógrafos que também sabem a necessidade de um olhar aprofundado sob situações delicadas pelo mundo. Criou o projeto Moving Walls com a Open Society Foundation, dando oportunidade para as pessoas conhecerem, por meio de exposições, histórias que envolvem os direitos humanos. A fotógrafa acredita na importância de expandir o alcance desse tipo de fotografia, o que ela chama de aumentar o círculo de conhecimento. Susan ainda está à frente da Magnum Foundation, que também tem como objetivo formar, incentivar e viabilizar projetos documentais com esses princípios para a nova geração de fotógrafos. Alguns dos trabalhos de destaque da fotógrafa: Prince Street Girls - "Garotas da Rua Principe" (1972 - Presente), mostra o encontro da fotógrafa com garotas de um bairro de imigrantes italianos em Nova Iorque. Ela acompanha a rotina do grupo de maneira muito próxima, e essa empatia pelas garotas fica clara nas imagens, quando Susan parece fazer parte da roda de amigas.

Carnival Strippers (1972-1975) é o primeiro trabalho de impacto da fotógrafa, e o que a levou a fazer parte a agência Magnum Photos. Por três verões, Susan acompanhou a rotina de jovens mulheres que faziam striptease em feiras rurais nos estados norte-americanos de Nova Inglaterra, Pensilvânia, e Carolina do Sul. O projeto retrata não só o trabalho dessas mulheres, mas também suas intimidades em momentos extra palco. Além disso, os outros personagens dessa narrativa são os espectadores, agenciadores das mulheres e seus namorados. Para tentar compreender mais esses personagens, Susan não só os fotografou, mas também os entrevistou (ouça áudio na lista de vídeos abaixo). Talvez um dos pontos mais importantes desse trabalho seja o fato de que Susan fotografa mulheres nuas, mas foge completamente de um padrão estético sexualizado e estigmatizado. (Veja abaixo um vídeo da artista Martha Rosler, que fala sobre o tema).

"As Xícaras"

Volunteers of America - “Voluntários da América” (1976-1978) exemplifica como ela usa fotografia como um meio de entender o mundo ao seu redor. Intrigada por um Papai Noel andando por uma rua do seu bairro, Susan segui a figura natalina tentando saciar sua curiosidade: quem é esse homem, de onde ele veio, para onde esta indo? Em sua investigação Susan descobriu que esse homem, e muitos outros, viviam em um abrigo para homens sem teto que trabalhavam como Papais Noeis para arrecadar dinheiro.

"Passado Imperfeito"

Pandora's Box - "Caixa de Pandora" (1995) mostra o universo de uma enorme casa de sadomasoquismo de classe alta em Nova Iorque, onde fetiches reprimidos podem ser libertos. Ela equilibra o que esta oculto e o que vai se revelando ao longo do ensaio, explorando a dinâmica teatral do sadomasoquismo, sem perder sua estética documental. Em contraste com a sua abordagem de conflitos e da rua, essas fotos tem um outro tempo, como se a fotógrafa entrasse dentro da caixa de Pandora. Em um jogo de sensações, parece que ela cria um ambiente paralelo.

O Trem"

Border Crossings - "Travessias de Fronteira" (1989) é provavelmente o trabalho mais reconhecido de Susan sobre imigração. Ele conta a história de mexicanos que tentam chegar aos Estados Unidos de forma ilegal. A fotógrafa acompanhou alguns agentes americanos que fiscalizam a fronteira e também os próprios imigrantes em sua jornada pelo deserto, assim como alguns encontros dessas duas realidades. É o primeiro ensaio que Susan faz uso de fotografias panorâmicas, conseguindo em uma só imagem acumular muita informação sobre o contexto fotografado. Além disso, a escolha da lente grande angular e sua distorção ótica cria uma metáfora social que evidencia ainda mais a fronteira entre os retratados.

"Travessias de Fronteira"

Nicaragua - "Nicarágua" (1978-2004) começa com um intenso ano de documentação da revolução popular contra o regime da família Somoza, que governou o país por mais de 40 anos. O projeto se estende até 2004, com consecutivos retornos da fotógrafa ao país em busca dos desdobramentos de suas fotografias e da revolução. Nesse sangrento conflito de trincheiras, Susan explora os diversos lados da história, sempre com foco nos personagens que a construíram.

"Passado Imperfeito"

Civil War in El Salvador - "Guerra Civil em El Salvador" (1979-2006) acompanha a guerra do país, que começou com um golpe de estado após anos de ditadura, durou 12 anos e matou mais de 75 mil civis. Ele da sequência ao seu trab=alho na Nicarágua, em mais uma longa documentação de um conflito interno e seus desdobramentos históricos até hoje. Com seus trabalhos em conflitos, fica claro que o foco de Susan nunca é exclusivamente o factual, mas também o cotidiano desses lugares. Ela consegue contextualizar a guerra a partir de microcosmos, onde olha para o cidadão comum e trabalha com cuidado a história particular dessas pessoas, mas sem deixar de contar os momentos históricos importantes, como o massacre que exterminou o vilarejo de El Mozote. Por ser uma história densa e com várias faces, ela achou que era preciso uma visão mais ampla de todo o conflito. Assim, iniciou seu trabalho curatorial e lançou um livro com imagens de mais de 30 fotógrafos que cobriram a guerra civil.

"Passado Imperfeito"

Kurdistan - In the Shadow of Hisory - "Curdistão - Na Sombra da História" (1991-2008) é mais um projeto de longo prazo, que Susan iniciou durante a primeira Guerra do Golfo. Enquanto os olhos do mundo focavam no conflito do Iraque e no êxodo curdo, a americana se voltava para o que causou essa imigração - o genocídio que deixou quase 100 mil curdos "desaparecidos". Apesar da documentação da destruição em massa de uma etnia não ter chamado inicialmente a atenção da mídia internacional, o reconhecimento da identidade dos curdos passou a ser o objeto de estudo da fotógrafa, que começou a juntar imagens desse povo, o que resultou no livro Curdistão - Na Sombra da História e no acervo digital akaKudistan.

"Curdistão - Na Sombra da História"
 

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Atualizado em 01 de Junho de 2018

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