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Foto do escritorGabriel Cabral

CAIXA PRETA #1 - Precisamos Falar Sobre Robert Capa

Atualizado: 21 de ago. de 2020


Homem do fronte, ele é o primeiro a saltar do avião. Aterriza seu paraquedas balançando uma câmera no pescoço, outra na mão, pronta para disparar. De seus lábios pende uma ponta de cigarro aceso, no bolso do casaco de chuva leva meio cantil para mais tarde. Muito perto, e ligeiramente fora de foco, é Robert Capa: o maior fotógrafo de guerra de todos os tempos!

 

A personagem criada pelo húngaro Endre Friedmann - mais conhecido como Robert Capa - povoa a mente da comunidade fotográfica, e do público de massa, atingidos não só pelas emblemáticas fotografias, mas também pelas lendas que acompanham muitas delas. Além disso, a própria persona encarnava um estilo de vida estritamente relacionado à sua linguagem fotográfica. Robert Capa rescreveu o curso da história, soprando o vento à favor da sua própria vela. Mas, seria ele uma espécie de "prenda me se for capaz" da fotografia?


Romanceando a vida em narrativas cinematográficas, Capa ilustrou sua jornada de herói com fotografias, performou e roubou como um ilusionista. Mas, em tempos de pós-verdade, a desconstrução de suas mentiras chega atrasada, e extremamente necessária.

Sonhador, o húngaro sabia que uma personalidade forte por trás das imagens, teria grande peso sobre a forma que as pessoas receberiam seu trabalho. A escolha do nome, o título auto nominado de "grande fotógrafo de guerra", e o uso de frases de efeito, compuseram seu arsenal. Como a notória "ligeiramente fora de foco", cunhada por seu editor, John Morris, para justificar o efeito borrado das fotografias do Dia D. Mais tarde, Capa se apropriaria dela para intitular seu romance autobiográfico e descrever o estilo de suas imagens. Na mesma linha, ele costumava dizer que "se suas fotos não estão suficientemente boas, você não está suficientemente perto". Reforçando não só sua linguagem fotográfica, mas reafirmando seu perfil de homem na primeira linha, sempre à postos e próximo ao perigo.

Até hoje, as pessoas compram essas mentiras, e reproduzem esses slogans como frases de auto ajuda. Não me incomoda o fato de Capa e ter criado nova personalidade para enfrentar um mundo que não lhe abria portas. Mas, ele se forjou de forma mítica na história, e é uma pena que seja um mito que não engrandece a mais ninguém. A partir de suas revelações, o jornalista Coleman fala em um Capa "menos mítico ou heroico", portanto "mais falível e humano", e também "mais complexo e multifacetado.”

Ignacio Aronovich diz que, "Há décadas vivemos sob a ilusão do fotógrafo que vive em uma atmosfera de glamour e aventuras". Robert Capa seria um dos responsáveis, assim como Weegee, Helmut Newton, o personagem "Thomas" de "Blow UP", entre outros. Há poucos tempo, Paolo Pelegrini e Steve McCurry, ambos fotógrafos da agência Magnum Photos - que tem Capa entre seus fundadores-, foram alguns dos grandes nomes da fotografia mundial a se envolverem em polêmicas pelas controvérsias pela forma como diziam acontecer seus processos de criação, e como de fato produziam algumas de suas icônicas e premiadas fotos. Mais de 70 anos depois, McCurry repetiu a desculpa inventada para justificar as fotos borradas de Robert Capa no Dia D. Outra vez, o elo mais fraco pagou o pato. Enquanto o laboratorista da revista LIFE teria sido o responsável por literalmente derreter as fotografias feitas na praia de Omaha, o assistente de McCurry teria cometido a barbeiragem digital. Esses dois fatos elevam as situações para além do erro comum, sem dolo. Temos aqui planos ardilosos construídos para salvar a pele de figuras egóicas. Agora, começa a desmoronar outro grande nome. Por acusação de assédio, David Allan Harvey foi afastado e posto sob investigação da prestigiada agência Magnum. Esperamos que, num futuro próximo, os resultados práticos se relevem diferentes.

Nos últimos anos, dentre os maiores concursos de fotojornalismo do mundo, poucas foram as edições em que prêmios não acabaram revogados por comprovadas irregularidades. Seja por manipulação digital, direção de cenas jornalísticas, ou legendas que contextualizam situações irreais, são todos demonstrativos da falta de ética de seus autores. Sem mencionarmos os bizarros casos de Souvid Datta, ou "Eduardo Martins". Robert Capa também foi acusado de cometer os mais diversos desvios. Dentre os quais, o de se apropriar de fotos que, na verdade, seriam de autoria de Gerda Taro, sua companheira que morreu durante a Guerra Espanhola. Acreditar que alguém pode ser o maior fotógrafo de guerra, como ter um herói de quadrinhos vivo - ou crer que um surfista monta acampamentos para refugiados e fotografa guerras quando sobra um tempo -, é pensar na fotografia de maneira ingênua e ilusória. E por que afinal fotografamos? Fama, likes? Dinheiro fácil quase nunca é. Precisamos inverter o peso da balança, diminuir o ego, e aumentar o pedestal de quem de fato se doa para que trabalhos verdadeiros aconteçam. Em especial, é preciso que os fotógrafos brancos, como eu, apreendam a devolver espaços que tomamos só para nós, enquanto outros olhares diversos ficam à margem. Ainda, como coletivo, precisamos desconstruir mitos, e interromper o cultivo de novos. Sem dúvida, isso nos fará crescer e renovar nossos valores. Certamente, todos queremos ter destaque, ou ganhar de vez em quando. No entanto, a verdadeira fantasia da fotografia não reside aí. Ela está nas experiências reais de viver e conviver com pessoas, lugares e culturas. Ampliar e aprofundar essas relações com respeito, é o que podemos e devemos perseguir enquanto autores responsáveis.

Outras referências:


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